segunda-feira, 2 de maio de 2011

Livros


O salão de beleza de Cabul, por Deborah Rodriguez

Entre os anos 2002 a 2007, a cabeleireira Dedorah Rodriguez deixou os EUA e viajou com um grupo de ajuda humanitária para o Afeganistão. Lá, percebeu que era mais útil no que fazia melhor e montou um salão-escola de beleza na capital, Cabul. "Deu muito certo, foi um sucesso", conta ela. Deborah resolveu então contar seu êxito no livro. No entanto, a obra se tornou polêmica aos olhos do governo local, ela sofreu ameaças e teve de sair foragida do país.
Devorei as 230 páginas em dois dias. O melhor foi entender um pouco mais sobre os conflitos da região do Oriente Médio, o ônus da imigração e a discriminação religiosa/étnica.
Eis trechos do livro:

"A família de Robina deixara Cabul quando ela tinha cinco anos, pouco antes do início da guerra com a União Soviética e muito antes de alguém ouvir falar em Taleban. Fixaram residência no Irã porque o pai dela era um grande admirador do Xá Mohammed Reza Pahlevi, um governante pró-ocidental cujos esforços para modernizar o país incluíam o direito de voto para as mulheres. Mas o xá também provocara um forte ressentimento tanto entre democratas quanto entre clérigos islâmicos. Sua deposição, em 1979, abriu caminho para o Aiatolá Khomeini e a revolução que criou uma república islâmica no Irã. O pai de Robina, porém via o xá como uma força motriz essencial para a modernização do Oriente Médio. Chegou mesmo a batizar uma de suas filhas com o nome da terceira esposa do Xá.
Crescendo no Irã, Robina tinha vantagens com as quais muitas garotas nem sequer podiam sonhar. Tinha pais amorosos que de maneira alguma desgostavam do fato de ter três filhas; amavam-nas exatamente como amavam os três filhos homens que tinham. A família também era bastante próspera; por isso ela e as irmãs nunca ficaram sem comida ou passaram necessidades. O pai era um atacadista de roupas e perfumes e sempre levava para casa, para a mulher e as filhas, amostras de seus produtos. As mulheres da família cobriam-se de longos véus quando saíam à rua, especialmente porque o clima no Irã tornava-se cada vez mais difícil para as mulheres. Mas, em casa, usavam calças compridas e camisetas de mangas curtas, como se fossem garotas de Michigan.
E, ao contrário do que acontecia com a maioria das garotas afegãs, a mãe e o pai de Robina não pretendiam casá-la à força com um homem do qual não gostasse.
[...]

De início, o Irã recebera de muito bom grado aqueles imigrantes, mas a tolerância foi se esgotando à medida que mais e mais afegãos cruzavam a fronteira por causa das guerras. Depois de algum tempo, o governo iraniano começou a impor restrições aos afegãos que viviam em seu território. Tornou-se difícil para eles encontrar empregos, comprar casas e carros e até mesmo ter telefones. Robina contou-me que muitos iranianos passaram a hostilizar os afegãos que eram seus vizinhos, acusando-os de ocupar todos os bons empregos e de superlotar as escolas.
[...]

O pai perdeu o emprego como atacadista. Entrou num negócio industrial com um iraniano, mas foi roubado pelo sócio e descobriu que não tinha direito a qualquer reparação judicial. Dois de seus irmãos tornaram-se alfaiates, mas não era fácil conseguir trabalho para sustentar toda a família.
[...]

Como era cada vez mais difícil ser afegão no Irã, as três irmãs decidiram tentar a oportunidade de uma vida melhor na América (*), mesmo que aquilo significasse uma breve estada em Cabul. Elas só ouviam coisas ruins sobre a cidade - sobre a guerra, sobre a pobreza. Tinha ouvido dizer que era o pior lugar do mundo para uma mulher, mas decidiram arriscar tudo.
(*) não havia embaixada americana em Teerã, estava fechada desde a crise dos reféns que se seguiu à queda do xá, em 1979, e para obter vistos, as garotas teriam de retornar ao Afeganistão.
[...]

Assim, Robina e suas irmãs fizeram o que praticamente nenhuma mulher afegã faz: viajaram sozinhas, sem acompanhante masculino.
[...]

Porque viviam sozinhas, todos concluíam que elas tinham de ser prostitutas. (*)
(*) O plano de irem para os Estados Unidos não deu certo e elas não puderam voltar para o Irã, porque tinham aberto mão de seus cartões de identificação ao se mudar para Cabul.
[...]

Você deve imaginar que as outras mulheres afegãs sentiam muita pena de Robina e de suas irmãs. Grande engano. Até mesmo as minhas garotas, elas mesmas, que haviam rompido tantas barreiras para frequentar a escola e começar a garantir o próprio sustento, até mesmo elas passaram a olhar Robina com frieza quando ouviram dizer que ela e as irmãs viviam sozinhas. E Robina piorou ainda mais a situação ao quebrar outro tabu. Ela saiu duas vezes com um rapaz ocidental. Aquilo bastou para que o resto de minhas garotas a evitasse como se ela tivesse gripe aviária.
[...]

Então, certo dia, Sam entrou no salão durante uma aula da terceira turma, olhou em volta e fez uma cara feia. "Por que todo mundo que estuda nesta escola é hazara?" Eu não sabia, mas o fato é que duas de minhas professoras eram hazaras e tinham me ajudado a selecionar uma turma inteira composta de hazaras. Dali em diante, Sam participava de todas as entrevistas e me ajudava a evitar que, inadvertidamente, eu favorecesse um grupo étnico em detrimento de outro. Equilibrávamos todas as turmas, não apenas em termos étnicos, mas também por religião e região.

Fonte:blog Letras aos Pedaços (www.letrapedacos.blogspot.com)

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