quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O ocaso da consciência.

Este texto é uma confissão.

Posso afirmar que durante minha vida tive algumas experiências que outros jovens de 26 anos, segundo creio, não tenham tido. Nasci humano. Fui batizado, por desejo de minha madrinha, pela Igreja católica, mediante manobra política de meu pai na cidade de Reginópolis (os padres de Bauru somente me batizariam se meu pai e minha mãe fizessem uma espécie de cursinho, o que eles não fizeram por motivos de foro íntimo). Estudei dos 10 aos 15 em colégio batista. Aos 16 me aproximei do espiritismo. Aos 23 conheci o hinduísmo e o budismo. Aos 24 encontrei a filosofia e uma espiritualidade independente de deuses. E ao trilhar todo este caminho, creio ter buscado, todo tempo, uma única coisa: respostas para a vida, a morte e um modo, por assim dizer, correto de se viver. Neste passeio pelas concepções do sagrado, afirmações taxativas, retóricas pobres, argumentos falhos e pseudo-antropologia suspeita me foram muitas vezes ofertados. E por mais que os religiosos fizessem o máximo para extirpar de mim a espiritualidade, ela ali teimava em quedar-se.

Hoje sou um não-sabedor. E com essa consciência quase maiêutica é que levo a vida, questionando rumos, olhando feio para a moralidade dos atalhos, e buscando manter os amigos já mencionados no último texto. Todavia, mesmo não sabendo muito, já tive minha oportunidade de conhecer a vida para perceber como ela é cercada de mitos dolorosos.

Há tempos venho acompanhando o apagar lento das luzes da consciência de um familiar próximo. A idade veio chegando e com ela sinais da senescência do corpo, tudo refletido na mente. Na identidade. Na psique. E a soma de minha trajetória até agora breve, mas intensa, com a experiência da diluição do “eu”, fizeram com que eu fosse testemunha de coisas incríveis (nos sentido etimológico da palavra). Vi, em minha frente o modo como a consciência, ou aquilo que os ingleses (muito melhor do que nós) traduzem por ‘self’, paulatinamente dá lugar a um emaranhado de idéias desconexas, a sentimentos da infância longínqua, e a uma massa disforme de manifestações que em nada me lembram a cabeça vigorosa, ativa e, muitas vezes, racionalmente agressiva, que conheci.

Esse lento desfecho, em que a pessoa (de “persona”, ou seja, “máscara”, identidade) vai morrendo antes no ser do que no existir, colocou em xeque minhas últimas esperanças em encontrar no ser humano uma alma, no sentido religioso da palavra. Restou a compreensão da alma enquanto “anima”. Aquilo que anima. Que dá vida. Pude ver como somos quimicamente modificáveis. Como não somos. Unicamente estamos. E num lento caminhar para não mais estar.

Mas confesso que esta percepção de uma possível descontinuidade da vida mental (sem alma, sem deuses, sem além) não me fez mal. Nem mau. Nem pior. Unicamente me mostrou que a vida é um aqui e agora, mas que, talvez, nossos pensamentos (ondas eletromagnéticas que movem cursores na tela do computador), estes sim, ecoem, ad eternum, pelo universo. E que a preciosidade de nossa consciência é que alimenta toda e qualquer concepção de vida. Pois fora da mente, não há poesia, nem música, nem luz, nem escuridão. Todo o Sagrado se resume na percepção de que, sem a condição humana, nada mais existe. Tudo que aí está somente serve se for visto, tocado, sentido, cheirado...enfim, somos nós que fazemos o mundo. Somos o verdadeiro sagrado. Somos diamantes que se desfazem como grafite. Nada mais.

4 comentários:

Anônimo disse...

Thiago, maravilhosa e madura constatação. Há anjos ao seu redor.

Rosa Leda Gabrielli disse...

Não sou anônimo, foi engano que não sei corrigir de outro jeito
Rosa

Unknown disse...

Thiago:
Vc é de uma lucidez estarrecedora. Passei por isso com minha mãe. Sua descrição é realista, super-realista, beirando o surrealismo, no melhor sentido que se possa dar ao estilo. Parabéns!
Janira

Camilla Tebet disse...

Vc escreve muito, isso é sabido. Mas nesse texto mostra uma racionalidade impressionante. ès consciente, e isso é ser.