quinta-feira, 15 de outubro de 2009

visita

ela o espera todas as terças.
aguenta, com disposição militar, os dias passarem surrando a janela do quarto violentamente com seus ventos, suas tempestades, sua solidão.
uma eternidade de sete dias.
existem duas vidas: a das terças e o que sobrava.
viciada, toma suas doses de ansiedade controladamente.
veste seu melhor vestido de princesa, cheio de fitas e alegria.
costura buracos nas meias feito trabalho de ourives.
os pratos brancos floridos ganham a companhia de bolachas maisena.
fazia chá. perfumava o quarto.
a trilha sonora ganha mais cordas.
o coração, esquizofrênico, não controla as batidas, nem seus ataques.
o batom foge da caixa de maquiagem e, sem-vergonha que é, pinta os lábios com toques de impressionismo.
as unhas ganham cor.
os cabelos, oferecidos feitos putas famintas, se deixam tocar pela escova velha, dos tempos de garotinha.
bulímica, vomita as decepções. disfarça o hálito com gargarejo sabor limão.
troca as pilhas do relógio. não queria perder a hora, muito menos procurar os segundos suicidas, atirados ao chão, um após o outro.
na velocidade do tic-tac, espera.
sentada.
como um mantra.
disfarça impaciência virando cartas com seu destino - péssimo jogador, aliás.
na hora certa (ela sempre sabia qual), corre pra janela, sempre tão maltratada, hoje renovada feito borboleta.
desliza sua única saída para o mundo com uma leveza angelical.
deixa o rosto ser acariciado pela brisa da esperança - de mãos limpas, cheirando a sabonete de uva.
abre os olhos aos poucos, saboreando cada imagem embaçada que ganhava forma, nome, RG, foto 3x4, sentimento.
olha para a direita.
olha para a esquerda.
para a direita.
para a esquerda.
direita.
esquerda.
ninguém.
ainda sente o cheiro do chá. consegue salivar dali o gosto das bolachas.
abre um sorriso. de cabeça baixa, sorri - talvez por não saber o que fazer.
fecha lentamente a janela.
crê num último milagre, segurando à mão direita a medalha do santo de devoção, enquanto o mundo vai ficando vertical.
é... sem milagres hoje.
o tic-tac do relógio já soa diferente.
aos poucos, todos retornam a seus lugares: o vestido, o batom, o perfume, as bolachas.
a janela começa a apanhar. nem pede por socorro ou promete dar queixa.
com o olhar sereno, ela separa agulha, linha e seus sonhos.
senta. sorri. recomeça.
faltam sete dias.

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