segunda-feira, 18 de julho de 2011

Terceira Parte

- Já viajei muito – disse Baptista – sem orgulho posso afirmar-lhes conhecer muito bem o Prado, o Louvre e o Hermitage, o Reina Sofia apenas conheço, e outros tantos que deleitaram-me na juventude. Já não mais poderei caminhar por horas naquelas galerias. Valem-me as memórias.
- Faz-me rir, o que afirma, andamos por idênticos caminhos. Talvez tenhamos nos encontrado em algum momento.
- Então, você também gosta de arte? Perguntei.
- As sete fascinam-me. Acreditam que eu tenha me deslocado a Hämeenlina, na Finlândia, para apreciar com meus próprios olhos o que viu Sibelius em sua infância? Pura paixão...
- Encanta-me falar em paixões, retrucou Azevedo. Já fiz loucuras por paixão.

Parou repentinamente de falar e refugiou-se nas memórias. Baptista caminhava com a cabeça baixa parecendo assistir a um filme projetado no piso da calçada. Respeitei o silêncio dos dois observando-os e imaginando a carga de lembranças que têm os idosos. Eu, com pouco mais de trinta, via-os como documentos históricos.
- Sibelius, um grande e complexo compositor... Não é dos meus prediletos – disse Azevedo.
- Gosta de Vivaldi, certamente.

A música erudita não é meu forte e o assunto estava me deixando no ar, talvez até assustada pela possibilidade de me perguntarem algo a respeito. MPB, um pouco de jazz, umas pinceladas de ópera mas de Sibelius nunca ouvira falar, de Vivaldi um pouco. Me surpreendi com a risada dos dois.
- Acertou em cheio, caríssimo. Vivaldi leva-me à paz. Não há angústia em suas composições, diferentemente de seu estimado Sibelius.
- Os filhos cuidaram para que eu tivesse uma boa estada aqui, deram-me este equipamento, MP4, com minhas gravações prediletas. Conhece estes compositores, senhorita Júlia?

Pronto, chegou minha vez.
- Alguma coisa de Vivaldi. De Sibelius nada. Desculpem a franqueza mas nem sequer seu nome eu conhecia, sinto-me envergonhada.
- Minha jovem, os tempos são outros... Há muita informação à disposição através dos meios de comunicação, hoje todos sentem-se obrigados à leitura de vários jornais, há a Internet, manter-se atualizado exige que se gaste algumas horas à frente da TV, trabalha-se muito... Não se constranja, não há tempo suficiente para tudo que se deseja. Nós vivemos em época mais tranquila, ouvia-se rádio e vitrola... Mas, se os quiser conhecer tenho aqui gravações. Tento manter-me atualizado com alguns destes dispositivos. Sentemo-nos neste parque, terá prazer em ouvir. Esta música chama-se Finlândia executada por coro masculino, vozes magníficas, o Pendyrus Male Choir.

A música maravilhosa reverberou sob as árvores. Senti os olhos úmidos.
- Que lindo!
- Muito sensível.
Colocou sua mão sobre a minha, numa intimidade até certo ponto surpreendente. Azevedo sorriu e comentou sobre o prazer de ter me encontrado.
- Diga-me senhorita Júlia: é uma apaixonada?
- Bom, eu sou meio empolgada... De vez em quando alguma coisa me fascina e eu mergulho de cabeça.
Baptista estava visivelmente alterado, parecia agitado, a placidez desaparecera.

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