- Já viajei muito – disse Baptista – sem orgulho posso afirmar-lhes conhecer muito bem o Prado, o Louvre e o Hermitage, o Reina Sofia apenas conheço, e outros tantos que deleitaram-me na juventude. Já não mais poderei caminhar por horas naquelas galerias. Valem-me as memórias. 
- Faz-me rir, o que afirma, andamos por idênticos caminhos. Talvez tenhamos nos encontrado em algum momento. 
- Então, você também gosta de arte? Perguntei. 
- As sete fascinam-me. Acreditam que eu tenha me deslocado a Hämeenlina, na Finlândia, para apreciar com meus próprios olhos o que viu Sibelius em sua infância? Pura paixão... 
- Encanta-me falar em paixões, retrucou Azevedo. Já fiz loucuras por paixão. 
Parou repentinamente de falar e refugiou-se nas memórias. Baptista caminhava com a cabeça baixa parecendo assistir a um filme projetado no piso da calçada. Respeitei o silêncio dos dois observando-os e imaginando a carga de lembranças que têm os idosos. Eu, com pouco mais de trinta, via-os como documentos históricos. 
- Sibelius, um grande e complexo compositor... Não é dos meus prediletos – disse Azevedo. 
- Gosta de Vivaldi, certamente. 
A música erudita não é meu forte e o assunto estava me deixando no ar, talvez até assustada pela possibilidade de me perguntarem algo a respeito. MPB, um pouco de jazz, umas pinceladas de ópera mas de Sibelius nunca ouvira falar, de Vivaldi um pouco. Me surpreendi com a risada dos dois. 
- Acertou em cheio, caríssimo. Vivaldi leva-me à paz. Não há angústia em suas composições, diferentemente de seu estimado Sibelius. 
- Os filhos cuidaram para que eu tivesse uma boa estada aqui, deram-me este equipamento, MP4, com minhas gravações prediletas. Conhece estes compositores, senhorita Júlia? 
Pronto, chegou minha vez. 
- Alguma coisa de Vivaldi. De Sibelius nada. Desculpem a franqueza mas nem sequer seu nome eu conhecia, sinto-me envergonhada. 
- Minha jovem, os tempos são outros... Há muita informação à disposição através dos meios de comunicação, hoje todos sentem-se obrigados à leitura de vários jornais, há a Internet, manter-se atualizado exige que se gaste algumas horas à frente da TV, trabalha-se muito... Não se constranja, não há tempo suficiente para tudo que se deseja. Nós vivemos em época mais tranquila, ouvia-se rádio e vitrola... Mas, se os quiser conhecer tenho aqui gravações. Tento manter-me atualizado com alguns destes dispositivos. Sentemo-nos neste parque, terá prazer em ouvir. Esta música chama-se Finlândia executada por coro masculino, vozes magníficas, o Pendyrus Male Choir. 
A música maravilhosa reverberou sob as árvores. Senti os olhos úmidos. 
- Que lindo! 
- Muito sensível. 
Colocou sua mão sobre a minha, numa intimidade até certo ponto surpreendente. Azevedo sorriu e comentou sobre o prazer de ter me encontrado. 
- Diga-me senhorita Júlia: é uma apaixonada? 
- Bom, eu sou meio empolgada... De vez em quando alguma coisa me fascina e eu mergulho de cabeça. 
Baptista estava visivelmente alterado, parecia agitado, a placidez desaparecera.
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