quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

corre

assim que dobrou a esquina, atirou o salto alto vermelho-sangue para o outro.
corre.
corre que ainda dá tempo.
esquece a dor que invade os pés, pilares de um corpo quase sem forças, à beira do desistir.
corre.
corre que cada passo à frente deixa o desespero um passo atrás.
desespero: sedentário molenga do caralho.
só atrapalha.
nem lembra porque parou pra conversar com ele. 
e ele quis contar tudo o que rolou nos últimos dois anos.
e ainda fala cuspindo!
folgado.
atrasou tudo. atrasou toda.
transporte público. compromisso. vida.
corre.
corre que, agora, beleza já não é fundamental.
deixa o cabelo perder o encaracolado artificial e ganhar o molde do vento da noite.
mais suor, menos glamour.
tem quem goste, ué. 
tem sorte que a saia lápis cinza-amargo, toda sustinha, ficou para amanhã.
dia de revisitar o passado. exige roupa mais chique.
pena que combinava com o salto lá atrás…
mas corre.
que passado é amanhã, futuro é agora.
uma, duas, três, quatro quadras.
um, dois, três, quatro desejos.
vão ficar para o depois, aquele irmão gêmeo bobo do nunca.
disseram que valeria o esforço.
bolhas no pé.
unhas quebradas.
mãos cortadas.
garganta seca.
ao menos, o coração já chega acelerado.
corre.
chega.
respira.
sorri.
pergunta.
- o ônibus que vai para o amor acabou de passar, moça.
as mãos encontram os joelhos, num cafuné semidesolador.
- mas, se você correr, pega ele na praça esperança, ali embaixo. 
os olhos fitam a velhinha, terço marrom à mão, paz maquiada no rosto.
sorri.

corre.

4 comentários:

Camilla disse...

você correu, escolheu as palavras e eu pensei qual será meu próximo ônibus.



Já ia perguntar por onde vc andava.

rosabertoldi@gmail.com disse...

Parabéns Thiago Roque. Continue correndo, seus textos estão ótimos!

Rosa Leda Gabrielli disse...


Uau! Corre, menina, que o amor não espera mas você vai alcança-lo. Estou sem fôlego.

Janaina disse...

que lindo