quinta-feira, 24 de julho de 2008

óbito

faleceu hoje, em um dia sem sol, sem chuva, sem calor, nem frio, o amor.
filho da pureza (in memoriam) com o pecado, não há uma hora precisa nem causa específica para sua morte.
em seu enterro, milhares de fiéis acumularam-se em filas para lhe dar o último adeus.
esse personagem acreditava em um utópico mundo melhor – daí a legião fervorosa que seguia seus princípios e bradava aos sete mares as glórias que o amor poderia promover na vida das pessoas.
sua qualidade mais destacada era a perseverança. apesar das provas constantes que o velho mundo dava de ser um local nada amistoso para quem pensava como o amor, esse revolucionário respirou até o último minuto seu ideal.
polêmico, o amor colecionava sabores e dissabores por onde passava. Com o tempo, fãs tornavam-se desafetos; seguidores passavam a ser opositores; simpatizantes abandonavam a causa. contudo, articulado e com grande poder de convencimento, para cada soldado que perdia, ganhava dois novos recrutas.
não à toa, sem ele, grandes líderes, como o respeito, e grandes inimigos, como a indiferença, ficam sem horizonte.
alguns acusam o amor de iniciar um neonazismo no planeta: por meio de lavagem cerebral, ele reunia voluntários dispostos a dar a vida por uma utopia difundida por esse idealista – mecânico de profissão. outros, porém, consideram o movimento dentro da chamada democracia dos sentimentos – já que havia tanto espaço para a ignorância e para a intolerância, por que o amor não poderia reivindicar um lugar ao sol?
nessa gangorra de opiniões discrepantes, os governos dos continentes ainda não decidiram se promoverão o amor a mártir, rebelde, deus ou procurado pelo fbi – reunidos há cinco horas, eles não chegam a um consenso. o povo ganha as ruas, cada qual com sua opinião, e o exército já foi chamado para garantir ordem às manifestações.
independentemente de quaisquer decisões, é consenso de que o amor é personagem único na história até hoje. apesar de seu vício em corações puros (uns dizem que a causa da morte seria até por overdose), tinha a força dos grandes líderes, o carisma dos maiores vencedores e o apoio das massas.
tudo isso, porém, não foi suficiente para a vitória plena. recentemente, colecionava mais e mais derrotas em sua caminhada, que minavam, a conta-gotas, seu bem-estar. não era segredo que sua saúde estava debilitada há algum tempo, mas sua doença nunca foi revelada – nem mesmo por paixão e tentação, irmãs mais novas e braços direito e esquerdo do líder.
foi encontrado morto no jardim de sua casa, deitado na relva, como se estivesse a descansar. talvez fosse a hora mesmo.
se vai deixar saudade, nem mesmo o tempo, seu melhor amigo, ousa dizer.

2 comentários:

gigi disse...

"INCRÍVEL, COMO VC CONSEGUE TRADUZIR EM PALAVRAS COMO HJ AS PESSOAS TRATAM TAL SENTIMENTO, ADMIRO CADA LEITURA POR MENOR QUE SEJA SUA, E DIGO MAIS VC ME INSPIRA, NÃO SOU E NEM CHEGOPERTO DO SEU TALENTO, MAS QUERO QUE SAIBA QUE SEUS TEXTOS TEM ALGO QUE MUITOS CHAMAM DE TÉCNICA, EU COSTUMO CHAMAR DE DOM ".

Camilla Tebet disse...

Ele morreu? Ah.. e eu previa isso, a coisa já não estava tão boa. Da última vez que o vi - isso já faz tempo - vi que não tinhas mais forças, estava entregue, desistindo mesmo. As doenças eram muitas a debilitação visível. MAs eu não sabia que tinha morrido. E morrer é tão definitivo né? Pelo menos pra aqueles que não tem fé no depois. Mas que bom que a morte foi a anunciada com palavras tão pontuais. Pelo menos morreu bonito. A homengem belíssima, prestada a um lutador me tocou muito. Vou chorar a morte dele, é claro, como venho chorando outras, mas lembrando da história de luta dele, tão bem contada por vc. Desculpe-me não ter comparecido ao enterro. NA verdade eu estava em outro funeral, o da esperança.
Um beijo pra vc poeta.