segunda-feira, 9 de junho de 2008

Das ruas...




Fui criado numa pequena cidade onde rua era lugar para brincar, jogar bola, andar de bicicleta, e, de vez em quando, tinha que parar e deixar alguns carros passar. Calçada servia para ter árvores e a gente apenas passava por ela para chegar à rua.

Era muito espaço para pouco carro. Naquela época, “rodízio” era algo relacionado à pizza e não a placas de carro. Hoje, vivo em uma cidade onde ruas não suportam mais carros e calçadas servem como meio de ultrapassagem para motos.

Como motorista em São Paulo, passei por diversas fases. No início, muito cauteloso e assutado, além de perdido. Um verdadeiro “roda presa”, como fui xingado uma vez por um taxista. Primeira evolução: perdi o medo e ganhei confiança. O abuso foi aumentando. A confiança exagerada foi me dominando. A lição veio em seguida e com ela a prova de que dois corpos não ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo. Pelo menos não sem uma colisão. Claro que foi minha culpa. Pelo menos, escolhi a dedo: uma Rav4 (R$ 130 mil) - faço questão fazer bem feito, mesmo quando faço merda.

Segunda evolução: aprendi, de certa maneira, que não adianta ter muita pressa. Isso porque, quando você se arrisca todo para pegar o próximo sinal aberto, sempre você encontra um motorista conformado com o trânsito para empatar a foda.

Terceira e(in)volução. Fiquei neurótico. Você percebe quando ficou neurótico quando sabe o momento certo de mudar de faixa.
Aqui tem que pegar a da direita porque muitos viram à esquerda e atrapalham os que seguem em frente. Agora tem que pegar a da esquerda porque tem uma ruazinha de onde entram carros na faixa da direita. Agora ... que horas são? Ahh... a escola já fechou e não tem mais estudantes aqui.

Passei a analisar a engenharia de tráfego. Por falar nisso, nunca tinha pensado que tráfego era algo tão complexo que mereceria um estudo digno de “engenharia”. Depois que criaram uma rádio para falar exclusivamente sobre o trânsito da cidade, nada mais me surpreende. Comecei a tentar entender como a lógica – ou a falta dela – afeta o fluxo dos veículos. Comecei a buscar possíveis soluções aqui e ali. Semana passada, cheguei ao limite de escrever uma carta para a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) propondo uma melhoria específica, perto da minha casa, óbvio. No dia seguinte, tive a resposta de que ela seria encaminhada ao departamento que cuida do assunto. Estou aguardando...

O que vem ocorrendo é que cada vez mais está impossível se locomover. Isso não é um problema dessa cidade, apenas. Sei que há muitas outras, cujo trânsito era considerado normal e agora está ficando caótico. Segundo relato de um amigo meu, Brasília é um exemplo disso. Especula-se sobre a implantação do rodízio (não o de pizza) lá.

Existem inúmeros culpados por tudo isso. Falta de investimentos em infra-estrutura e em transporte coletivo. Até o aquecimento da economia tem sua parcela de culpa. Em São Paulo, centenas de carros são emplacados a cada dia. Com crédito fácil e relativamente mais barato, hoje, financia-se automóvel em trilhões de vezes. Estou até vendo, daqui a pouco, a criação do Sistema Financeiro da Locomoção. E tem gente que vai terminar de pagar a prestação da casa própria antes mesmo de liquidar a dívida do carro.

Além dessas razões, grande parte do problema ainda está no motorista. Os conformados ainda são maioria – e estão em toda parte. São egoístas. Não pensam que se forem um pouco mais para frente, se aproveitarem melhor o espaço, se andarem um pouquinho menos devagar, se pensarem que há milhares atrás deles, mais um poderia aproveitar o farol, mais um poderia pegar a saída para outra rua ou, até mesmo, mais um chegaria à garagem de casa.

Dizem que corro. Não é verdade. Em condições normais é impossível correr, mas quando é possível, ando no limite da velocidade permitida. Outro dia ouvi naquela rádio de trânsito uma sugestão enviada por um motorista que dizia que todos deveriam andar no limite da velocidade. O pessoal da rádio obviamente disse que não poderia estimular esse tipo de atitude, que não seria correto, mas recomendaram aos motoristas mais lentos usarem a faixa da direita.

Outro dia tomei uma multa (mais uma). Dessa vez foi por excesso de velocidade. O limite era 70 km/h. Passei a 78 km/h. Descontando a margem de erro, a considerada foi 71km/h. Setenta e UM!!!! E UM!!!!! Não acho justo. Essa velocidade é muito baixa para a avenida. Na verdade, estava fazendo um favor. Havia espaço. Queria sumir da frente dos outros. O problema é que, ao mesmo tempo em que estava sumindo da frente dos outros, estava trazendo os outros (aqueles conformados) para perto de mim. Pensei em recorrer da multa, mas, lamentavelmente, não tenho registro da minha velocidade média na mesma avenida em outros horários. Deixa pra lá...

A quarta evolução está iminente. Não sei como será, mas é possível que eu faça como meu irmão, que comprou uma moto e é um cara feliz. Será que existem motoqueiros conformados? Duvido. Estou ciente dos riscos, mas tudo tem seu preço.

Não posso deixar de registrar um fato inédito, que aconteceu comigo na semana passada. Pela primeira vez, alguém que me ligou no celular, e, ao saber que eu estava dirigindo, fez questão de desligar e dizer que chamaria em outro momento. Era da companhia de seguro.

Um comentário:

Camilla disse...

Luciano, respeitaram o motorista dirigindo e não quiseram continuar a conversa e era da companhia de seguro. Essa foi a melhor que já ouvi.
Apesar de não dirigir em Sp frequentemente, vivo numa cidade onde o trânsito também é um caos. E concordo com vc na questão da educação dos motoristas. Essa falta de educação se evidencia nos acidentes causados por motoristas bêbados e muitas outras barbaridades que acontecem nas ruas.
Também ando sem paciência de pegar o carro em horários críticos (?). Ando com raiva, usando a buzina, gritando na janela e tudo mais.
Acredito que só o investimento em transporte público não adiantaria.. porque como convencer os caras que compram carros de cem paus a pegar um ônibus ou metrô? Já ajudaria, mas não resolveria.
Mudar leis de trãnsito? Não sei, já que elas são pouco respeitadas. No feriado que passou fui para praia e tomei duas multas, por diferenãs assim como as suas... dá pra ficar revoltado de pagar pedágio, dirigir direito e não bêbado e pagar multa.
Mas o que quero dizer é o seguinte: esses dias estive numa palestra de um escritor e uma moça perguntou a ele se ele não acha que livros custam muito caro, por isso o número de leitores é tão restrito. Ele ficou um tanto vermelho de revoltado, levantou-se e disse:
- O Brasil nunca vendeu tantos carros como faz agora. As ruas estão loatdas e as pessoas endividadas por 72 meses. Então o livro não está caro. È uma questão de prioridade.
Eu concordo. Sugiro então que todos deixem de comprar carros para pagar em duzentos anos e compre livros, sentem num ônibus, ou de pé mesmo e leiam. Quem sabe assim, educados, poderemos um dia falar em transporte público, respeito no trãnsito e tudo mais.
Gostei muito do seu post. É pra pensar, discutir mesmo.
Beijso pra vc e boa sorte no trânsito.