sábado, 26 de julho de 2008
Acerto de Contas
Acho que nunca tinha comentado com ninguém. Por falta de termos tocado no assunto, no entanto. Não que tivesse algum problema em falar.
Desde o primeiro vestibular que fiz prá Economia na Unicamp em 1994/95, passei a ter uma implicância absurda com a obra Guernica, de Picasso.
Algumas pessoas sabem que apesar de minhas notas terem sido superiores às das pessoas que foram aprovadas em outras matérias, exceto história, eu fui DESCLASSIFICADO do vestibular. Pois é... há uma possibilidade de desclassificação quando algumas condições mínimas para aprovação não são alcançadas. No meu caso, as condições mínimas eram tirar 3 de história e matemática na segunda fase. Acreditem ou não, mas eu tirei 2,2 em história... E na minha cabeça a culpa era da Guernica até a semana passada.
A única questão da prova que nunca saiu da minha cabeça, foi uma em que o quadro de Picasso era apresentado e tínhamos de dissertar sobre o quê o quadro retratava. Convenhamos que prá um garoto de 17 anos estudando em Bauru, seria normal não saber nada sobre a Guerra Civil Espanhola... Eu não tinha a menor idéia, ao menos...Aliás, essa coisa de arte começou a entrar na minha vida ao vir prá SP com uns 21/22 anos somente...
Enfim... depois de ficar com a imagem do quadro marcada em minha mente e estar confiante de que havia passado no vestibular, algumas semanas depois tive a inesperada resposta de que não... não tinha sido daquela vez. Tinha sido desclassificado do vestibular.
Eu nem pensava nas outras perguntas que errei... Fiquei sempre com aquele quadro maldito na cabeça e pensando que se eu soubesse o que estava ali, eu teria passado no vestibular em Campinas, como tudo deveria ter acontecido...
Academicamente, tomei outro rumo, e não sei dizer se melhor ou pior... mas fui e sou bem feliz, então não penso muito nisso.
Mas o quadro...sempre ficou aqui... sempre meio que impliquei com aquela imagem daquele touro, daquela gente deformada e meio que queria que a Guerra Civil Espanhola se danasse. Associava a uma daquelas idéias de que deve ser um quadrozinho de meio metro quadrado exposto num museu idiota prá um monte de imbecis acharem que é algo importante...
Estava em Madrid na semana passada. Obviamente fui ao Centro Reina Sofia para admirar a arte e com certeza aproveitaria prá desdenhar mais um pouco daquela imagem idiota de Picasso...
No entanto, lá estava ele... numa sala exclusiva, ENORME (3,5 x 7,5 m) exposto com iluminação especial... cercado de pessoas do mundo todo, com seus queixos caídos.
Eu era mais um deles...
Senti um calafrio. Fui pego desprevinido. Aquela imagem que sempre foi associada ao meu fracasso no vestibular nada tinha a ver com aquele painel enorme e maravilhoso exposto na parede. O medo, a tristeza, os assassinatos...tudo está ali...Como é possível alguém conseguir descrever tanto em tão pouco?
Não conseguia parar de olhar... Ouvi o audio-guia 8 vezes prá pegar cada detalhe do que ali estava exposto... Fiquei por volta de meia hora naquela sala, olhando prá mesma parede. E havia mais... esboços, fotografias, maquetes do pavilhão de exposição da Espanha onde foi apresentado o quadro em 1937...tudo ali... perfeito...grandioso... significativo.
Não consegui parar de sorrir depois de sair do museu. Foi uma sensação interessante e tenho certeza de que a sentirei poucas ou nenhuma outra vez.
Mais tarde, alguns amigos indicaram-me assistir a um dos excelentes documentários da BBC de Londres que tinham em sua casa justamente sobre Picasso.
No documentário é narrado um momento em que os militares dirigem-se a Picasso e perguntam se foi ele quem fez aquilo que está na parede, referindo-se à Guernica. O artista volta-se a eles e então responde: "Não....Foram vocês..."
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3 comentários:
É realmente impressionante, não?
Só essa obra vale a visita no Reina Sofia.
Abraços.
Brilhante. E quantos mil post dá o Guernica. Sua história pessoal com ele foi feita de uma ligação um tanto inusitada.. mas arte é pra isso, não´é?
Rogério:
Como especialista em Estética e História da Arte que sou fiquei meio ofendida no começo. Só no começo... Vc realmente conseguiu o diálogo maravilhoso que acontece com poucos: conversar com o quadro. Aconteceu comigo e com um escriba no Metropolitan de NY. É uma sensação maravilhosa!
Janira Fainer Bastos
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