entre fumaças, biritas baratas, alguns petiscos e muito clima noir, jogavam pôquer a dor, a solidão, o amor e a angústia.
já era praxe: todas as sextas, juntavam-se após o expediente para bater o carteado.
cada um trazia suas preferências, rolavam algumas coisas de imprevistos – se fosse o caso, pediam pizza. o importante era a jogatina.
as apostas eram altas. almas em jogo.
a diferença é que os jogadores não se importavam em ganhar ou perder. naquela mesa redonda com toalha verde-musgo, o importante era se divertir.
ah, e eles se divertiam.a dor, por exemplo, babava enquanto gargalhava ao perder 20 almas numa só jogada para a solidão. “esses aí já se acostumaram comigo. é melhor mesmo terem algo diferente para sentir”, falava a bastarda, enquanto a solidão (vestida impecavelmente com uma saia preta curtíssima, um top vermelho sangue de decote generoso e uma cruz prateada que marcava a fronteira entre os enormes seios) sorria de lado e já recolhia o prêmio.
a angústia já era mais prudente (mas, nem por isso, menos aventureira): se tinha uma boa mão, apostava as almas mais atormentadas; se blefava, colocava na mesa um possível suicida – a dor, via de regra, se deliciava com isso.
a solidão gostava de número – ironia ou não, é verdade. mas, se perdesse, cagava quilos: afinal, conseguir moeda de jogo não era ter que fazer empréstimo no banco a juros altos – sempre encontrava gente para trazer para o seu lado.
o amor, não: único macho na mesa, ele era mais vulnerável – e estúpido. apostava sem distinção: 30 almas por vez, 50, chegou a colocar 169 pessoas num blefe – e se fodeu.
amigos, via de regra, o amor tomava no cu.
depois, quando perdia, choramingava, exagerava na birita, fumava descontroladamente. ria como todo mundo – mas com um certo nervosismo. se apegava às almas, mas só percebia isso quando elas cruzavam a mesa verde-vusgo, dizendo um tchau amargo.
justo pra ele, que tinha a despedida como vizinha – e aquela vadia jogava o lixo no quintal dele.
com o tempo, o amor ficou viciado no jogo. E também na bebida. já não fazia mais a barba, os ternos eram cada vez mais raros, aparecia aos jogos amarrotado, cheio de olheiras. mas estava lá, sempre disposto a apostar todas aquelas almas, aquelas almas que ele tanto amava – mas que só descobria isso depois de elas caírem no decote da solidão (sim, a solidão percebia quando o amor blefava, era sua maior adversária).
enquanto isso, angústia e dor riam. ao amor, restavam as lágrimas.
quem sabe na sexta que vem.
2 comentários:
sensacional
putz, ninguém avisou que tínhamos um poeta "pro" por aqui. Supera-se a cada semana. Roupas de amor, ternos de angústia, fumaça de jogatina, cenas da vida que vc colore com cores de poesia. Escura, mas poesia da boa, caro Thiago. Keep writing..
Postar um comentário